sexta-feira, 20 de março de 2009

Helena Morley e os nossos rios.

Transcrevo abaixo o primeiro capítulo do livro "Minha vida de menina - o diário de Helena Morley". Muito mais do que um diário de garota de província do século XIX,  o livro traça  a um retrato vital e bem-humorado do dia-a-dia em Diamantina entre 1893 e 1895. Ao ler esse trecho fiquei imaginando como era viver nessa época.   O contato com a natureza, a importância dos rios no cotidiano das pessoas e as dificuldades da família com a queda na extração dos diamantes. A cidade mudou, os hábitos também mudaram. Mas podemos refletir um pouco sobre a Diamantina atual. Essa diferença me  faz questionar o futuro que estamos construindo para nossos filhos e netos. Ao andar pelas bandas do Rio Grande nos deparamos com um rio fétido, cheio de esgoto. Em pouco mais de cem anos transformamos recantos bucólicos em lugares feios e desagradáveis. Com certeza, Helena Morley, na verdade Alice Dayrell Caldeira Brant (foto), ficaria muito triste e desapontada ao ver o que foi feito com esse pequeno paraíso.

"Hoje foi nosso  bom dia da semana.

Nas quintas-feiras mamãe nos acorda de madrugada, para arrumarmos a casa e irmos cedo para o Beco do Moinho. A gente desce pelo beco, que é muito estreito, e sai logo na ponte. É o melhor recanto de Diamantina e está sempre deserto. Nunca encontramos lá uma pessoa, e por isso mamãe escolheu o lugar.

Mamãe chama Emídio, da chácara, e põe na cabeça dele a bacia de roupas e um pão de sabão. Renato leva no carrinho as panelas e as coisas de comer, e vamos cedo. Mamãe e nós duas, eu e Luisinha, entramos debaixo da ponte para lavar a roupa. Emídio, o crioulo, vai procurar lenha. Renato vai pescar lambaris; nunca vi tanto como ali. Ele só tem  tempo de pôr a isca, jogar o anzol e puxa logo um lambari ou bagre. Nhonhô põe o visgo e fica de longe à espera de passarinhos. Cai um, ele corre, limpa o pé do pobrezinho com azeite e mete na gaiola. Unta a vara de novo e daí a pouco já vem outro, um pintasilgo ou um curió.

Nós ficamos lavando roupa e botando para corar, enquanto mamãe faz o almoço de tutu de feijão com torresmo e arroz.

Depois de lavarmos a roupa e passar algum tempo do almoço, mamãe fica viginado o caminho para ver se vem alguém, e nós entramos no rio para tomar banho e lavar os cabelos.

Depois disso batemos as roupas na pedra, enxugamos e pomos nos galhos para secar. Agora é só procurar frutas no campo, ninhos de passarinho, casulos de borboletas e pedrinhas redondas para o jogo. 

Na volta, Renato enche o carrinho de lenha, por cima das panelas, e  Emídio também ainda traz um feixe de lenha em cima da bacia; a roupa fica dobradinha em baixo.

Que economia seria para  mamãe, agora que a lavra não tem dado nem um diamantinho olho-de-mosquito, se pudéssemos ir à ponte todos os dias, pois Renato e Nhonhô vendem tudo que trazem, no mesmo dia. Ainda se pudéssemos ficar na lavra com meu pai, ela não precisa trabalhar tanto. Mas os nosso estudos atrapalham tanto a vida de mamãe, que eu morro de pena dela. O que vale é que Renato acaba os exames dele depois de amanhã e nós vamos para a Boa Vista, passar as férias."

7 comentários:

  1. Olá Fernando.
    Muito obrigado pela sua intervenção na última edição do meu blog.
    Seu endereço, agora, faz parte da página de rosto do terapia.
    Um abraço.
    Rubem.
    terapiadecutuvelo.blogspot.com

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  2. Fernando, se você viu a Amostra do meu pai, deve ter reparado quatro filhos de Assis tomando banho no Rio Grande, o loiro sou eu. Bons tempos. Hoje o Rio Grande é esgoto.
    Assis Horta

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  3. Assis,
    Vi a foto na exposição, mas não sabia foram tiradas no Rio Grande. Concluo, então, que a poluição é bem recente.
    Infelizmente, hoje fiquei sabendo que já estão jogando esgoto no Córrego do Prata.
    Grande abraço
    Fernando

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  4. Jóia, muito boa iniciativa. Amo Diamantina e o passadiço é lindo.

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  5. Olá gostaria de saber em qual casa em que Helena morou e sua avó também! Li o livro e fiquei curiosa em saber. Se você puder me ajudar me falando o endereço atualmente! Obrigada!

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    1. Infelizmente não tenho esta informação. Mas pelo que li creio que ele morava na região da Rua da Saudade e a sua avó na região da Praça Doutor Prado. Vou tentar levantar essa informação e registro aqui. Inté+

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  6. Helena Morley (pseudônimo de Alice Brant) foi a escritora que mais impressionou Georges Bernanos enquanto este esteve no Brasil. Além disso, Alceu Amoroso Lima, Edgar da Mata Machado, Geraldo da França Lima e Murilo Mendes foram alguns dos intelectuais brasileiros marcados pela passagem do escritor francês por aqui. A visita que ele recebeu de Stefan Zweig à véspera de este suicidar-se, sua revolta contra a mediocridade dos intelectuais e a ascensão do totalitarismo e sua amizade com pensadores brasileiros são alguns dos detalhes narrados por Sébastien Lapaque em “Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)”, obra que acaba de ser lançada pela É Realizações Editora, dando continuidade à Coleção Georges Bernanos.

    Matérias na Folha de S. Paulo a propósito do lançamento do livro:
    “Descendentes de Bernanos estão espalhados pelo Brasil”: http://goo.gl/ymS4lL
    “Sob o sol de Barbacena”: http://goo.gl/O8iFve

    Para ler algumas páginas de “Sob o Sol do Exílio”: http://goo.gl/6hAEOM

    Confira também:
    Diálogos das Carmelitas: http://goo.gl/Yy3ir3
    Joana, Relapsa e Santa: http://goo.gl/CAzTTk
    Um Sonho Ruim: http://goo.gl/Kd091z
    Diário de um Pároco de Aldeia: http://goo.gl/ISErLc
    Sob o Sol de Satã: http://goo.gl/qo18Uu
    Nova História de Mouchette: http://goo.gl/BjXsgm


    ANDRÉ GOMES QUIRINO
    mkt1@erealizacoes.com.br
    (11) 5572-5363 r. 230

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