domingo, 3 de abril de 2011

Vesperata em debate

Autor: Wander Conceição, publicado no site Colônia de Diamantina (clique aqui)

Diamantina – MG, 28 de março de 2011

Excelentíssimo Senhor

Vereador Maurício Maia

DD. Presidente da Câmara Municipal

Diamantina – MG

Excelentíssimo Presidente,

Ao dirigir-me a Vossa Excelência para apresentar, oficialmente, este meu protesto, é imperioso esclarecer que assim o faço, por considerar que a vossa condição de presidente desta Casa Legislativa é que vos impõe este ônus.  Conhecedor que sou dos princípios que norteiam a formação do vosso caráter e da vossa pessoa, esclareço que não estou atribuindo a Vossa Excelência a responsabilidade sobre as mazelas que, há muito, vêm manchando a apresentação da Vesperata. Estou apenas vos solicitando que, na vossa condição de presidente da Câmara Legislativa de Diamantina, Vossa Excelência seja o mensageiro das minhas considerações aos vossos pares, para que todos reflitam sobre as decisões, que a partir de agora, não poderão ser mais adiadas, terão que ser tomadas para resolver a questão no campo da atitude. Outrossim, esclareço que tenho consciência dos limites de atuação do Legislativo, contudo, é inadmissível que esta Casa não se pronuncie, oficialmente, sobre o assunto, visto ser ela, a maior representação do povo diamantinense, como poder constituído.

O Executivo desta cidade, ao abrir edital de licitação, em nível nacional, para a realização da Vesperata, extrapolou todos os limites suportáveis da imprudência, portou-se de forma leviana, inconseqüente, irresponsável e abjeta. O edital desvia para o campo econômico, e consequentemente, para o campo em que vicejam todos os conchavos escusos, que inundam os jornais deste país diariamente, uma solução que tem de ser extraída, com a maior responsabilidade que o objeto em questão exige, no interior de um repositório patrimonial de mais de trezentos anos. A idéia de que A Banda Mirim da Prefeitura de Diamantina e a Banda de Música do Terceiro Batalhão da Polícia Militar do Estado Minas Gerais – esta última com a honraria de ser a mais antiga banda militar do estado –, duas entidades mantidas pelo poder público, trabalhem para levantar recursos financeiros para a iniciativa privada, é mais do que repugnante. Ainda que essa decisão do Executivo não ferisse nosso patrimônio, o uso do dinheiro público para financiar o deleite da iniciativa privada é uma atitude mais do que repugnante.

Quanto às questões relativas ao patrimônio, vejamos: “patrimônio é um bem, ou conjunto de bens culturais ou naturais, de valor reconhecido para determinada localidade, região, país, ou para a humanidade, e que, ao se tornarem protegidos, como, p.ex., pelo tombamento, devem ser preservados para o usufruto de todos os cidadãos”. A Banda de Música do Terceiro Batalhão é um patrimônio de Diamantina, da Polícia Militar e do estado de Minas Gerais. Se por um lado, ela não foi oficialmente tombada pelos órgãos públicos que detêm oficialmente esse poder, por outro, construiu uma história, de cento e vinte anos, que lhe confere autoridade para se portar como bem patrimonial, digno de ser protegido e respeitado. Por esse motivo, senhor presidente, o ato do Executivo de Diamantina é um desacato à autoridade da Banda do Terceiro Batalhão, respaldada pela magnitude de sua história. Ao considerarmos que o músico que compõe esta referida Banda, antes de ser músico, é prioritariamente um militar, este ato do atual prefeito que decide “utilizar um patrimônio público para gerar recursos financeiros para a iniciativa privada”, expõe à opinião pública uma instituição bi-centenária: A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, glória do povo mineiro.

Se hoje eu tenho a liberdade, como um simples cidadão, de ocupar esta Tribuna e dirigir, com todas as garantias, a minha palavra a Vossa Excelência e vossos pares, é necessário enfatizar que esta ação somente se tornou possível, porque muitos brasileiros derramaram seu sangue pela causa da democracia, dentre eles, vários militares da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Nesse contingente, faleceram também muitos músicos.

Portanto, senhor presidente, há dois aspectos historiográficos fundamentais que, por si só, já seriam o bastante para diferenciar a Banda de Música do 3º Batalhão. Primeiramente, sua função singular de ter sido o elo entre a musicalidade que se desenvolveu no estado de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX e o legado musical que temos a possibilidade de exibir neste século XXI. Isso significa dizer que a Banda de Música do Terceiro Batalhão é, por excelência, a mais importante instituição musical de Diamantina no século XX. O outro aspecto que se agiganta na história, refere-se à participação de seus músicos nos pelotões que seguiram para a frente de batalha durante os movimentos sediciosos da década de 1920, durante a revolução de 1930 e a contra-revolução de 1932. Neste último movimento, é imperioso registrar que, da Polícia Militar de Minas Gerais, foram os homens do 3º Batalhão, sediado em Diamantina, junto com os homens do 7º Batalhão, que participaram da ofensiva que culminou com a tomada do túnel em Passa Quatro, na serra da Mantiqueira. Aqui, sou obrigado a abrir um parêntese, senhor presidente! Dentre esses militares estava o sargento músico Joaquim Carlos Entreportes, meu avô materno, de quem eu tenho o dever e a honra de defender a preservação da memória, a unhas e dentes, enquanto eu for vivo.

Quanto às questões relativas diretamente à ética e à moral, especificamente sobre a Banda Mirim, não obstante já ser esta entidade um patrimônio de Diamantina, merecedora dos mesmos mecanismos de proteção da Banda Militar, há que se avaliar com maior acuidade o paradoxo que envolve sua utilização pelo poder público. Criada com a justificativa de ser a extensão da educação familiar de crianças carentes, como pode ser exaustivamente utilizada para geração de recursos financeiros para a iniciativa privada? Se o propósito primaz é formar o ser humano, levando às crianças de periferia princípios morais e éticos, afastando-as do ócio e das mazelas sociais tão presentes em seu mundo, como fazê-lo sem um planejamento adequado e sem um projeto político pedagógico? Sem uma linha definida de atuação para um profissional da assistência social? Sem o acompanhamento de um psicológico preparado e competente? Sem uma tomada de direção em conjunto com as famílias, algumas delas envolvidas em processo grave de alcoolismo, ou vivenciando outras tantas situações que evidenciam a degradação humana?

Como se vê, senhor presidente, uma grande ilusão, um sofisma público! Pior ainda: durante toda a década anterior as crianças tiveram como espelho para a formação do seu caráter, a influência direta de um homem desequilibrado que foi alçado pelo Executivo municipal à condição de regente. Vejamos alguns pontos: Em 2004, o referido regente, de forma sorrateira, ensaiou algumas peças musicais somente com a Banda Mirim, sem o conhecimento prévio da Banda Militar. Em dado momento da primeira Vesperata do ano, ele executou a música Moonlight Serenade, que não estava previamente ensaiada com a Banda Militar, com a intenção explícita de ridicularizá-la, atirando-a ao vazio. A experiência dos músicos militares levou-os a se afastar das sacadas durante a execução. No momento em que o maestro da Banda Militar assumiu o seu posto para a música seguinte, o regente desequilibrado da Banda Mirim retirou as crianças das sacadas e esvaziou a apresentação. Esse fato abriu uma crise institucional que obrigou o comandante do 3º Batalhão a se posicionar, visto que a Banda Militar possui um profissional previamente preparado para assumi-la, e visto que, somente em Diamantina, a Banda Militar é sistematicamente regida por um civil. Foi por essa razão que duas crianças regeram a Vesperata seguinte, acordo que foi feito até se encontrar uma solução para a crise. A questão se tornou ainda mais relés, quando as informações sobre este episódio foram, estrategicamente, abafadas, para que a comunidade diamantinense não tomasse conhecimento de tamanho absurdo.

Cansamos de presenciar a cena de duas crianças tocando um violino na fileira da frente da Banda Mirim, acompanhando procissões pelas ruas da cidade, ou festas populares, debaixo de um sol escaldante. Isso é deprimente para uma cidade que faz parte de um estado com uma história musical singular no mundo, sem precedentes na formação das três Américas. Cansamos de ver as crianças voltando para casa debaixo de chuva, ou sozinhas na madrugada, numa cidade que se apresenta cada vez mais violenta. Se isso não bastasse, há uma série de desmandos que o referido regente praticou, conforme denúncia feita ao Ministério Público no início do ano de 2009, em cujo processo está a minha assinatura de cidadão. Tenho esperança na atuação do Poder Judiciário, por isso quero continuar acreditando que a Justiça se esforçará para trazer à superfície todos os detalhes do processo, para que a população diamantinense tome conhecimento do quê verdadeiramente se passava nos bastidores da Banda Mirim.

Isso posto, senhor presidente, não deixa dúvida de que a discussão, antes de ser financeira, tem que ser de caráter, tem que ser moral e ética, tem que passar pelas questões patrimoniais, ou então, não haverá esperança de futuro para a sociedade moderna e, principalmente, para as nossas crianças! Contudo, a despeito de não estarem em primeiro plano, as questões financeiras têm que ser analisadas à luz da razão, inclusive para esclarecer que os elementos, em que o edital de licitação se apóia, são facilmente refutáveis. Diamantina possui diversas associações de assistência social, que passam por dificuldades de toda ordem. Como podemos direcionar para a iniciativa privada o recurso financeiro gerado por duas entidades que são mantidas pelo poder público, em detrimento de associações voltadas para a valorização do ser humano?

Para tornar bem visível o tamanho do contra-senso implícito nesta licitação, vamos visualizar a situação por intermédio de números. Tomarei por base a situação atual da APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Diamantina, de cuja diretoria faço parte. O edital se propõe a pagar R$ 12.000,00 por cada Vesperata, sendo quinze eventos oficiais no ano. Seria repassado à empresa vencedora, portanto, um montante da ordem de R$ 180.000,00 por ano. O edital apresenta ainda o valor das despesas em R$ 7.485,60, que se elevariam à quantia de R$ 112.284,00 ao ano. O lucro sobre quinze Vesperatas oficiais seria, portanto, de R$ 67.716,00. Contudo, diversas Vesperatas são realizadas fora do calendário oficial, atendendo a interesses de toda ordem. Há outros tantos mecanismos de utilização remunerada da Banda Mirim, dentre os quais, o Ministério Público tem conhecimento da forma como é possível utilizá-los de maneira escusa e obscura, basta tomar como exemplo a apresentação no Hotel Ouro Minas, em Belo Horizonte, realizada em agosto de 2009, a qual faz parte do dossiê da referida denúncia apresentada à justiça. A despesa mensal da APAE, conforme demonstrativo anexo a esta carta, é da ordem de R$ 4.781,34. Este valor, que é pequeno frente aos números apresentados envolvendo a Vesperata, é dificílimo de ser arrecadado para manutenção da APAE, que nesse início de ano está passando por sérias dificuldades financeiras. Diante dessa realidade, o ato de direcionar para a iniciativa privada o recurso financeiro gerado por duas entidades, cujo órgão mantenedor é o poder público, toma caráter ilegal e imoral.

O edital ainda faz o seguinte destaque: “Considerando que as Vesperatas iniciais não têm uma segurança de lucratividade, fato este confirmado pela ADELTUR etc.” Registre-se a seguinte pergunta, senhor presidente: Que credibilidade tem uma associação que monopolizou a Vesperata para favorecimento financeiro de apenas 12 pousadas, e que por diversas vezes não apresentou a prestação de contas do referido evento, fato notório na cidade? Eis aqui um belo exemplo de como se constrói uma premissa falsa para se forjar uma conclusão conveniente. É com essa fragilidade que o edital cita a lei 8.666/93, como premissa para sua sustentação. Ora, toda lei é composta por uma letra e um objetivo, para o qual essa letra foi construída. Nem sempre quando se aplica a letra da lei, seu objetivo é alcançado. Nessa situação não se completa o princípio da eqüidade, ou seja, passa-se por cima do “conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem um juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo”. Senhor presidente, não há eqüidade neste edital de licitação, cujo objetivo não está em consonância com as questões de caráter, da ética, da moral, do patrimônio público e do ser humano.

Cordialmente,

Wander Conceição

Cidadão diamantinense

Diamantina MG, 15 de março de 2011

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