sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Diamantina Gourmet

Fonte: Léo Noronha, Jornal O Tempo de 25/11/2011

Fim de semana de casamento, festa e baile, churrasco no cerrado, família na fazenda, em se fazendo e desfazendo, como quer o tempo. São gerações que se sucedem, transmitindo o bastão de receitas, genes e gênios. São causos, piadas, tiques nervosos, gozações e risos velhos conhecidos.

Em meio a tantos estímulos e vislumbres, uma pausa para a conversa com Sônia Pinho Madureira, consultora do Sebrae. A carioca simpática, embrenhada e amante do sertão mineiro há anos, revela o espírito do Festival de Gastronomia e Cultura Diamantina Gourmet, que teve sua segunda edição, entre os dias 5 e 15 de novembro. Aceitei com prazer o convite para cobrir o evento, tendo conhecido dois restaurantes participantes e desfrutado da atmosfera que tomou conta da cidade histórica durante aquele período. O único lamento foi o tempo curto da estadia.

Diamantina é musical por excelência e essa vocação deve mesmo ser valorizada, como marca identitária. A tradição da seresta, da serenata, inteligentemente incorporada na Vesperata, evento que integra o calendário cultural e por si justifica a visita ao velho arraial do Tijuco, encanta o turista e orgulha o cidadão.

JK, pé de valsa, o presidente bossa-nova, não podia ter nascido em lugar melhor. No Diamantina Gourmet, foi o chorinho que tomou conta das ladeiras. Mote das muitas e inventivas iguarias que figuraram no cardápio de nove estabelecimentos, o ritmo e seus monstros sagrados - a exemplo de Pixinguinha, Zequinha de Abreu e Ernesto Nazaré - foram cultuados à mesa, com sensibilidade, charme e requinte.

Nas ruas, no mercado, quitandas primorosas, pinga da boa com torresminho, pastéis crocantes e sequinhos, o ótimo queijo do Serro vizinho, uma profusão de ingredientes raros como o broto de samambaia, que trouxe comigo para acompanhar a costelinha de porco frita e o tutu de feijão. A alegria das vistas vem no caminho preguiçoso em meio ao casario. A contemplação das janelas, das fachadas restauradas, das treliças muxarabi, a iluminação que dispensa fiação aparente evidencia que a cidade está em bom caminho. Novas pousadas e restaurantes melhores, o Espaço B, livraria aconchegante e bem fornida, coisa tristemente rara nas cidades médias de Minas.

No bistrô Al Arabe, você degustará, talvez, a melhor comida árabe de Minas Gerais. Digo talvez porque sei como a colônia sírio-libanesa é grande e espalhada por todo o Estado. Então é possível que eu ignore alguma birosca especialíssima, quem sabe em Teófilo Otoni, Pouso Alegre, Uberaba ou Caratinga. Exagero no elogio ao Al Arabe? Estive lá em companhia de libaneses, como a tia Jolda, cozinheira experiente, e o primo Antônio Mansur, empresário de bom gosto, profundo conhecedor da culinária árabe, pra lá de exigente nessa matéria. Disseram que no dia anterior foram servidos 80 mafufos a uma mesa de quatro pessoas! De fato, os charutos da casa de Ahmed são soberbos. Tanto os de folha de parreira quanto os de folha de mostarda. Esta, surpreendente, saboroso e macio envoltório para os delicados e pequenos enroladinhos de arroz, carne e especiarias. E a esfiha? O "brimo" Edgard disse jamais ter saboreado massa tão delicada, sem falar no perfeito recheio de chanclis. A de carne também estava divina, assim como o "brasileirinho", de ora-pro-nobis.

O menu-degustação do festival teve como prato principal o carneiro ao molho de ervas com amêndoas e arroz de açafrão da terra, ou cúrcuma. Digno dos melhores restaurantes de Marrakesh, Beirute ou Istambul. Carneiro suculento e tenro, condimentação perfeita, beleza na montagem, combinação harmoniosa de temperos e ingredientes. O Pedacinho do Céu pode ser paradisíaco, se o arroz doce ganhar um pouquinho mais de umidade e consistência cremosa, além de uma nota extra da água de flor de laranjeira.
No dia seguinte, fui conferir o cardápio do Recanto do Antônio, estabelecimento rústico, recheado de mineiridade. Não esperava que meus primos quisessem a picanha com farofinha amanteigada. A primeira garfada fez o tempo recuar quinze anos. Tizé, garçom e amigo, que me serviu o almoço prosaico e inesquecível, anos a fio, na esquina saudosa das ruas Tomás Gonzaga e Curitiba, se orgulharia da cozinha de Antônio. Carne suculenta, macia, no ponto exato de sal, sem invenção de moda. Farofa estupenda, igualmente básica. Mas Antônio comprovou que também sabe inovar. Estava delicioso o prato Ao Luar: costelinha de lata, com arroz de pequi e notas suaves de coco queimado e raspa de limão. A Modinha, de sobremesa, não destoava: canudos crocantes e sequinhos com recheio de leite condensado e goiabada cremosa quente. Diamantina é para bem mais que um fim de semana, como descobriu a prima querida, Taís. Sorriso aberto, olhos vivos, acesos para sempre. Olhos de arquiteta apaixonada pela cidade, certamente corresponsável pelo compromisso diamantinense com seu patrimônio. É bom poder se orgulhar do passado.

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