quinta-feira, 2 de outubro de 2014

“O que não tem conserto nem nunca terá?”

Texto de Silvio Diogo, publicado no UFVJM Debate (clique aqui)

Infelizmente o assunto não é novo. Na noite de ontem, 1º de outubro de 2014, um carro capotou na primeira curva à esquerda após a saída do campus JK da UFVJM em direção a Diamantina. Tempo chuvoso, pista molhada, cerração. Tentativa de ultrapassagem em local nitidamente impróprio. O atendente da Polícia Militar, que responde à chamada via 190, informa que é necessário saber se há vítimas. Mas como, se o carro caiu na ribanceira? Mais uma tentativa, e o atendente desliga o telefone. O descaso no socorro às vítimas é um capítulo dessa história que se arrasta sem mudança de atitude por parte dos responsáveis.

Em uma perspectiva de curto prazo, campanhas de educação de trânsito talvez tivessem efeitos positivos entre a comunidade universitária. O saber acadêmico, nesse sentido, não garante nada quando o assunto é o tráfego de veículos, o excesso de velocidade, a pressa, a imprudência.

No entanto, há questões mais complexas. O campus JK (ou campus II) da Universidade está construído na região da Serra dos Cristais, sob tombamento do Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais). Conforme notícia veiculada pela Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Minas Gerais, “o tombamento [da Serra dos Cristais] foi uma exigência da Unesco para conferir à Diamantina o título de Patrimônio Cultural da Humanidade”.

Ocorre que o tombamento foi oficialmente aprovado pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep) em 19 de novembro de 2010 — posteriormente, portanto, à instalação docampus JK em Diamantina.

A criação da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) foi publicada no Diário Oficial da União em 08 de setembro de 2005, mas as primeiras instalações docampus II — quando a instituição ainda se chamava Fafeid (Faculdades Federais Integradas de Diamantina) — haviam sido inauguradas em 05 de julho de 2001.

Do outro lado do embate, porém, já no ano 2000 o Conjunto Paisagístico da Serra dos Cristais havia passado por um processo de tombamento provisório pelo Iepha/MG, em virtude de a área abrigar “nascentes, represas, mirantes, praças, cruzeiros, uma igreja e um importante trecho histórico calçado com pedras, o Caminho dos Escravos”. Em matéria veiculada em 2010, informa-se que o tombamento era justificado pelo fato de que “o bem se encaixa no conceito de paisagem cultural, uma vez que desempenha grande importância na formação da identidade local e regional e na composição da paisagem de Diamantina”.

Em um exercício retrospectivo, portanto, compreende-se que a decisão de construir o campusda UFVJM no alto da Serra dos Cristais representou sim, àquela altura, um equívoco histórico, urbanístico, ambiental. Na reportagem citada, de 2010, lê-se: “Já no início de 1990, procurou-se dar à serra uma proteção oficial municipal: a Lei nº 2062, de 15 de setembro de 1993, revogada em 1996, proibia o estabelecimento de edificações sobre as paisagens naturais notáveis da cidade de Diamantina. Eram consideradas paisagens naturais notáveis ‘toda a extensão da Serra do Rio Grande, do sopé ao cume que dá vista para a cidade, conforme área a ser demarcada por cartografia pelo Poder Público’.”

O fato, porém, é que estamos em 2014, com a Universidade em pleno funcionamento, com o tráfego diário e constante de estudantes, técnicos, professores, funcionários terceirizados, trabalhadores das obras, usuários das clínicas e beneficiários de ações de extensão etc.

É a partir do contexto atual, portanto, que as decisões devem ser pautadas. A população que trafega constantemente nesse trajeto de alto risco, seja por transporte público ou individual, necessita que medidas eficazes sejam tomadas. Novos acidentes são apenas questão de tempo.

As decisões dos agentes públicos precisam ser pactuadas. É preciso rever as restrições da Rodovia MGT 367, no sentido de considerar-se o trajeto como via de perímetro urbano. Tal alteração da categoria do trecho é incontornável no sentido de implementação de melhorias urbanas que, por seu turno, entrarão em conflito com aspectos do tombamento.

Questões polêmicas apresentam-se: a iluminação noturna, com postes de luz ao longo de todo o percurso, seria de importância fundamental para a melhoria das condições de tráfego, tendo em vista a constante neblina e cerração, mas não é condizente com a paisagem da Serra, vista de Diamantina. O que é mais importante nesse ponto? A qualidade da vista da Serra ou a qualidade de vida de quem precisa ir ao campus e voltar, à noite?

A abertura de faixas de acostamento, ciclovias, calçadas para a prática de caminhadas e para a circulação de pedestres teria também impactos sobre a Serra, mas vem novamente a pergunta: o que é prioridade?

Não se pense que se trata apenas de um debate sobre recursos financeiros. Este é um dos aspectos. Trata-se antes de vontade política, de consciência sobre os perigos iminentes que já se fazem realidade no trânsito constante entre o campus JK e o núcleo urbano de Diamantina.

A Universidade deve assumir, certamente, sua parte de responsabilidade sobre o problema, agravado por sua própria implantação. Deveria arcar com os custos, no caso do transporte coletivo que atende sobretudo estudantes e funcionários terceirizados, da compra de ônibus novos, em pactuação com a Prefeitura, o governo do Estado, emendas parlamentares — e reservar o processo licitatório apenas ao serviço do transporte público (como é feito, aliás, com as cantinas ou restaurantes que atendem dentro do campus JK; as empresas realizam apenas o serviço em instalações construídas com verba da UFVJM).

Também é necessário que a Universidade responda às exigências do Ministério Público e da Superintendência Regional de Meio Ambiente no tocante aos processos erosivos que contribuem para “o assoreamento do Córrego do Chacrinha, que deságua no Córrego da Roda e em seguida no Córrego Soberbo, formando a Cachoeira dos Cristais [no interior do Parque Estadual do Biribiri]” (link).

São questões complexas que envolvem pactuação, isto é, responsabilidade partilhada dos agentes públicos, com o horizonte de uma convivência possível entre a população da cidade de Diamantina, a Universidade e a região da Serra dos Cristais.

*Silvio Diogo é jornalista e técnico-administrativo na UFVJM; trabalha como produtor cultural na Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proexc).

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