segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Em meio à miséria, mulheres do Vale do Jequitinhonha se refugiam na arte

Foi vendo a mãe fazer presépios de Natal que a artista mineira Lira Marques, 70, começou a se interessar por argila e cerâmica, aos 5 anos de idade. As peças de barro confeccionadas por ela no Vale do Jequitinhonha --região nordeste de Minas Gerais, conhecida nos anos 1970 como "Vale da Miséria"-- saíram de lá para ganhar o mundo, em exposições na Áustria e em Boston (EUA) e pelas mãos de compradores da Alemanha, Bélgica, Holanda e Itália, entre outros.
A partir desta sexta-feira (13), a vida e a obra de Lira e dezenas de outros artesãos da região mineira chegam a São Paulo com a exposição fotográfica "Do Pó da Terra", que é assinada pelo paulistano Maurício Nahas e fica em cartaz no Museu Afro Brasil, no parque Ibirapuera, até 3 de janeiro.
A mostra, que reúne 50 imagens em preto e branco, tem como foco as pessoas –a maioria, mulheres– por trás de cada trabalho, além das paisagens regionais. São artistas que vivem em meio à seca, à violência, ao desemprego e a baixíssimos níveis de IDH, mas mantêm viva uma tradição oral passada de geração para geração. 
"É gratificante ter o nosso trabalho divulgado em São Paulo, assim como a vida e a trajetória do artesão. Tenho uma produção bastante variada, mas gosto muito de fazer máscaras de negros e índios, pois sou descendente dos dois, e o rosto sofrido deles retrata bem a nossa realidade, os problemas sociais", explica Lira, que mora com a família na cidade de Araçuaí e veio à capital paulista para o lançamento da exposição e de um livro homônimo. Segundo ela, "coisas bonitinhas" são mais fáceis de vender, mas, apesar disso, o interesse do público --principalmente de turistas estrangeiros que visitam o Vale do Jequitinhonha – tem sido grande para conhecer suas obras.
"Viver de arte não é tão simples, mas faço um trabalho sério, dou oficinas na UFMG e também mexo com desenhos e pinturas. Já ensinei três sobrinhos [duas mulheres e um homem], pena que eles não estão querendo dar continuidade. Fico um pouco chateada com isso, eles têm peças bonitas, as pessoas veem e incentivam, mas não é tão fácil assim vender", conta ela, que acredita que sua região tem mudado aos poucos, ao longo dos anos. "Hoje muita gente vai lá para conhecer a nossa cultura, os artesãos, os grupos de teatro, os corais, e fazer compras", destaca.
As "paneleiras", como são conhecidas essas mulheres, começaram produzindo objetos utilitários (como panelas, potes e moringas), sob forte influência indígena, passaram a fazer brinquedos e figuras para presépios --caso da mãe de Lira-- e hoje se concentram em peças decorativas, como figuras humanas, esculturas de animais e cenas do dia a dia. Assim, os artistas têm conquistado independência econômica e valorização profissional.

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